O corpo e o parto é da mulher por Rafaele Queiroz

WhatsApp Image 2019-03-23 at 10.26.26O bom atendimento e assistência médica de qualidade à gestante é determinado por lei, se tem dentro da constituição brasileira algumas leis que são destinadas para a melhor vivência da mulher durante a gestação e o parto.

Como exemplos de lei temos a Lei nº 9.263, de 1996 que determina que o Sistema Único de Saúde garanta serviços de qualidade em todos os ciclos da gestante desde o pré-natal, parto, puerpério ao neonatal. E assim também como é assegurado a estas mulheres o parto normal, é também reservado a esta mulher direito a informações como está previsto na Lei nº 11.634, direito à acompanhante durante ao trabalho de parto de acordo com a Lei nº 11.108. Dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) artigo Lei nº 11.108 também existem direitos assegurados à respeito das políticas públicas da saúde da mulher em relação ao planejamento reprodutivo e o atendimento humanizado. Essas leis são instrumentos para garantir e assegurar às gestantes uma boa vivência no período gestatório e durante o parto.
É importante destacar a defesa da integridade física e psicológica na gravidez, pois o período gestatório e o parto podem ser momentos em que ocorram muita violência e violação da integridade das gestantes. Ações violentas são bastantes frequentes nas narrativas das mulheres que vão até à maternidade para terem atendimento. Trazendo dados estatísticos para retratar mais a respeito da violência durante o período gestatório e o parto, de acordo com a fundação Perseu Abramo uma em cada quatro mulheres brasileiras são vítimas de violências no parte, podem ser essas violências física ou psicológica, como em casos de negligências médicas ou em comentários desprovidos de humanidade feitos em relação à condição que a mulher apresenta.
Muitas das vezes as violências se iniciam no pré-natal e duram até o parto. A relação dos profissionais de saúde para com essas mulheres é desumana ao ponto de elas sentirem seus corpos violados, invadidos e expostos, seja por abuso da medicação aplicada nelas, gerando impactos negativos à saúde da mulher e da criança, ou na maneira que seu corpo é manuseado pelo Outro.
Das violências vivenciadas por estas mulheres, uma que é bastante agressiva e que pode refletir na vida sexual pós-parto é a episiotomia indiscriminada, que é uma agressão ao corpo feminino, uma espécie de incisão entre a vagina e o ânus conhecido como períneo feito para ampliar o canal do parto. Este procedimento é questionado pelo fato de que a vagina consegue se dilatar sem essa intervenção médica. Já se tem pesquisa que comprova que este procedimento é dispensável, pois a equipe médica é a única beneficiada com este procedimento, e à mulher cabe a dor e o sofrimento. E mais invasivo ainda é quando o médico decide fazer o ponto do marido, violência que não tem justificativa.
A estrutura hospitalar é pensada no melhor bem-estar da equipe médica durante um parto e não da gestante, sendo que a gestante é quem de fato precisa de um espaço que a proporcione um bem-estar. Segundo Margaret Mead em Macho e Femea (1949) esta estrutura e aparatos médicos é pensado na equipe médica, para que os instrumentos médicos possam ser melhor manuseados durante o parto, e não pensado na gestante. A posição da grávida no parto deitada sobre uma cama é  para facilitar ao médico agir sobre o corpo desta mulher, e assim os corpos femininos se tornam subprodutos, sem autonomia e direito de escolha, ou você aceita o que está sendo imposto ou sofrerá mais violência.
O que é para ser uma boa experiências se torna um momento terrível, pois mulheres tem seus corpos violados e direitos negados. O período da gestação e do parto para elas se tornam momentos de muita dor que refletirá para sempre em suas vidas, cicatrizes provocadas por uma sociedade machista que pensa a mulher em segundo plano e não trata como individual dotada de capacidades de decidir sobre si.
O corpo feminino passa ser público, é a equipe médica que decide qual a posição irá parir, quantas vezes o médico vai fazer o toque para saber se já tem passagem, episiotomia indiscriminada e o ponto do marido. O corpo da mulher naquele momento não pertence a ela mais uma vez, está submetida a um local de impotência entregue ao Outro, pois todos os direitos reservados a parturientes são negados.
Ao corpo negro nega-se a fragilidade, mulheres negras durante o trabalho de parto são colocadas como mais fortes. Recebem menos anestesias e mais procedimentos violentos. Nada disso é comprovado cientificamente, o corpo negro não é mais resistente e sim o mais negligenciado e negado a sua humanidade. Mulheres negras não são mais fortes, esse discurso se sustenta no racismo institucional, o qual é negado veemente, porém mata todos os dias.
Representamos 60% de mulheres mortas para a violência obstétrica, mortes essas que poderiam ser evitadas, com um bom atendimento e a atenção devidamente dada.

Somos duplamente violentadas, pelo racismo e machismo.

Somos duplamente mortas!

rafaele cristina queiroz
Rafaele Cristina Queiroz é ativista de direitos humanos e do movimento negro, integrante do Coletivo Negro Alexandrina, Fórum de Juventude Negra do Amazonas, Encrespa Geral e Coletivo Todas por Todas, bacharel em Serviço Social e estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Amazonas.
Desenvolve pesquisa sobre gênero, raça e interseccionalidade, na linha da pesquisa de campo em Antropologia.

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