Escrevo por vingança por Jô Freitas

Em meus ouvidos tem um patrão dizendo:

Ei menina

Em tempos de guerra

Que está fazendo com papel e caneta na mão?

É em vão

Quero só ver quando quiser roupa

Sapato ou pão

Vai empunha o canetão?

Pra que lamentar em cadernos brancos

Tua dor preta?

Pra que poesia se não existe paz em sua vida?

Grita

Mas grita alto pra estremecer essa multidão

De descalços e escravizados

Seus comparsas

É tudo ilusão! Menina

Então eu respondo

Agora escuta aqui o que tenho pra te falar

Se eu falo ou escrevo não é você que tem que aprovar

Tô cansada das suas palavras malditas

Eu tô cansada de ter que provar pra você

Eu tô cansada de ter que servir outra vez

Eu tô cansada

Como dizia Plinio marcos, me lasco mais não me dobro

Então eu digo eu não me rendo, escrevo pra me vingar

Me vingar dos senhores que nos obrigou a contragosto a trabalhar

Agora não sou eu que vou calar

Meu papel e caneta é arma potente

De criança que quer aprender além do b-a bá

Se para ti minhas armas são em vão

É porque em berço de ouro tu era o patrão

Deixem minhas armas

Porque sei o que tu quer, é a vassoura em seu banheiro, Não é?

Olhe para mim e bata suas panelas

Mas não terá mais empregada para lavar

E seu chão esfregar

Por causa de você, hoje sou rebelião e desta cadeia eu abri mão

Luto como um dragão

Contra você, o patrão e a inquisição

Tenho pensamentos libertos

E não mais poderá enjaular

Porque hoje escrevo pra me vingar

Me vingar das roupas lavadas

Da comida cozida

Do cafezinho servido

Meu papel e caneta será para escrever outra história a meus descendentes

Poque todas as  mulheres de minha família foram serviçais de teus desejos

Empregadas e diaristas

E se depender de mim não deixarei mais rastro

E essa mão que engraxava teu sapato

Engomava teu paletó

Está bem armada

Com fuzil grafitti 4

Tu me querias empregada

E hoje é dos livros me armo

Tu me querias submissa

E hoje rezo a missa da morte de teus privilégios

Porque só quero que você entenda uma Coisa

Que você nunca esqueça o que vou te dizer

Se hoje eu escrevo

É POR VINGANÇA

Aos seus que mataram

E pelos meus que morreram

Então se hoje eu sou poeta

É apenas por vingança

Jô Freitas é poeta, atriz, idealizadora do Sarau Pretas Peri e Poeta residente do Sarau das pretas. Essa artista nordestina e adotada por são Paulo se denomina cenopoeta, por vir do teatro, da poesia e da dança , seu trabalho poético está neste universo “performático” sendo um grande diferencial na cena cultural poética, seu trabalho fala essencialmente da mulher, negra, nordestina, periférica. Seu mais novo trabalho poético será realizado este ano de 2017 num povoado chamado Pucusana em Lima/Peru,  é o “Mulheres em Travessia” composição de poemas para histórias de mulheres migrantes, feito em 2 edições na periferia de São Paulo e Povoado de Pescadoras no Peru. A poeta tem publicações em 2 edições da Antologia Sarau do Peixe, na Transvista: poesia pra transver mundo, fanzine de poemas Irohim Imoye, texto na revista Mulheres da Cena-Arte e pensamento na voz delas. É possível conferir seu trabalho poético, em vídeos poemas, linguagem muito utilizada em seu trabalho. Em 2016 estreou seu trabalho poético em formato de espetáculo cenopoético circulando em saraus e teatros. A voz da poeta ecoa com seus poemas que fala das dores, amores e lutas. Confira o trabalho na Página facebook: Jô Freitas

Nota da autora: “Essa poesia eu criei quando fui mestra de cerimônia do evento do coletivo empoderadas, quando a discussão era sobre racismo e ancestralidade, então me questionei sobre as mulheres da minha família e o trajeto que eu rompi sendo a primeira artista da família.”

1 comentário Adicione o seu

  1. Juraci disse:

    Parabéns pelas muitas conquistas! Linda poesia!

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